Escrevo, amante de sonhos
e devaneios, sinto ao escrever a espessura crescente da imbecilidade da espécie
humana à qual pertenço, onde homens vulgares se engrinaldam, sem humildade,
pedindo às massas enfeitiçadas que os sigam, com discursos pós-pós-modernos de
profunda vacuidade e ignorância. Apelam às sensações mais primárias com informações
falsas, caluniosas, indefinidas, geram e gerem o medo e a malícia, enganam e
contradizem-se, rugem mensagens mentirosas com a arrogância de semideuses,
adoram o protagonismo e a decadência, amam o caos e a cegueira que procuram
perpetuar e ameaçam despudoradamente todos os que os ousam contradizer. Escrevo
estas palavras para as expor nesta montra que ninguém vê, e se alguém as visse
de que serviriam as mensagens metafóricas, perdidas na sombra, meros vestígios
escondidos de extinta luz.
Somos mais do que alguma
vez fomos, animais bípedes inteligentes que anseiam sobreviver ao tédio
perpétuo que nos enfraquece. Somos iguais, somos sempre diferentes, e
desola-nos a luz que desconhecemos e que paira, brilhante, por cima das cabeças
dos outros. Esbarramos em muros que nos entretivemos a construir, que depois
acabámos por destruir, e que nos entretivemos a reconstruir, em outros lugares,
com outras intenções, sempre com a instintiva e primária vontade de nos separar
do outro que não desejamos conhecer, nem acolher, nem abraçar, nem entender… os
outros serão sempre os seres selvagens que não queremos deste lado onde
vivemos, o melhor de todos os lados, obviamente.
É com emoção que digo
saber para onde caminhamos, e que este jogo perigoso terá sempre o mesmo fim, o
mesmo negro final. Somos náufragos nesta jangada única onde nos afogamos, mas
onde julgamos estar a navegar por mares dourados de tonalidades violeta e anil.
Imagens reais bem
conhecidas, muito expressivas e violentas, chegam-me da memória da história que
omitimos e esquecemos. O meu pensamento dispersa-se em figurativas sensações
difusas, talvez tenha chegado o tempo de me substituírem a alma por uma
tapeçaria bordada à mão com fios dourados. Estou cansado deste ritmo incerto da
nossa nova história em que os bárbaros desabrocham em jardins de sangue,
futilidade, promiscuidade e loucura.
Condeno estas imagens que
me atormentam, e repudio os meus pensamentos catastróficos e niilistas. Deveria
dar-me menos a este trabalho para erguer de mim apenas o brilho de um sol clássico
e sóbrio que me aquecesse, ao invés destes extraviados repentes absurdos e sem
nexo aos quais sucumbo nesta escrita que aqui se põe. Deveria preocupar-me em
escrever poemas mágicos com estas palavras que invento e que sei lá como é que
nascem. Afogar-me na tinta azul ou negra das canetas, traçar conjeturas
literárias bem mais emocionadas e apetecíveis, esquecer-me de vez das causas
religiosas, políticas e económicas, antes descarnar os detalhes da visão dos
sonhos que esculpem com precisão os variados encontros com a nossa consciência,
e espantar-me com tudo o que seja de pasmar!
O Mago sentiu
excessivamente, constatou e constatou-o, afastou-se dos homens, gelou toda a
sua superfície de convivência e elevou, com despropósito, o sofrimento que vem
de sentir. O Mago sonhador foi incapaz de evitar o sofrimento, antes aprendeu a
ir buscar à dor o prazer, e educou-se até a senti-la falsamente, falsa era a
dor que sentia, tão falsa que, certamente, seria dor inteira e verdadeira a que
falsamente dizia sentir.
- Dias inteiros havia passados somente nisso. Tinha um prazer qualquer,
um “je ne sais quoi” que experienciei exageradamente, artificialmente, e que
caminhos eu segui para conseguir criar o meu dicionário de análise da dor… que
longos caminhos foram esses que eu percorri.
Mago, arquiteto
construtor de sensações sutilizadas através da inteligência, dor que sentias
imediatamente ( Tu próprio o dizias ), analisada até à secura e enterrada em Ti
até ao auge de ser dor… e só então Te parava a vida e a Arte se rojava aos pés.
Este Teu segundo passo era de uma intensidade tão grande que só me pode causar
a inveja profunda que sinto ao olhar para Ti e para as palavras que lavravas como
se fossem Tuas. E escrevemos, talvez, pela mesma razão plausível, porque este é
o fim, o requinte supremo temperamentalmente ilógico da nossa cultura de
estados de alma. Assim que leio (est)as palavras inteiras que talvez de igual
maneira tivessem nascido de Ti, acredito nelas mais ainda, acredito no máximo
poder do puro sonho, e não finjo que ouço, pois se também Tu não finjias que os
lias, quem sou eu para fingir…
A obra que se faz, ao
menos fica feita, será pobre, conforme afirmavas, mas ao menos fica feita, e
existe, tal e qual a vida, um tédio que antecipa apenas mais tédio – grandes emaranhamentos sem utilidade nem
verdade, grandes emaranhamentos…
- Falas comigo, Mago?
Fala comigo! Neste meu mundo, nosso mundo, cresce o desalento e o desespero,
precisamos urgentemente de Magos como Tu! As palavras que escreveste são únicas,
impérios inteiros que afirmavas serem nulos e nada valerem. Porque escrevias
essas falsidades, e porque dizias que perdias o Teu tempo ao fazê-lo e que apenas
o ganhavas na ilusão desfeita de ter valido a pena fazê-lo? Fala comigo! Faz-me
esse favor, ajuda-me a compreender este vazio que se propaga por todo o lado
com o mesmo vigor de outrora, sem regras e sem adversários à altura… que falta
fazes hoje a este mundo perdido e à deriva onde todos vomitam opiniões talhadas
a preceito sem valor nenhum.
- As palavras nascem, as palavras fogem ao nascer nessa liberdade única que
ninguém consegue explicar, frases que nunca escrevi, paisagens que ficaram por
descrever, ainda vivo, ainda sonho, dupla tragédia de as saber nulas e de saber
que não foram todas sonho, que alguma coisa ficou delas no limiar abstrato em
eu pensar e elas serem, E hoje, que queres tu de mim se fui apenas génio mais
que nos sonhos e menos que na vida?
-
Mago, deixa-te de mais
falsidades e contradições, o mundo precisa de Ti, precisa das Tuas palavras…
diz-me como nascem as palavras!
-
Guia-te pelo instinto dos gatos! Aproveito para te recordar aquilo que outrora
entendi: o mundo no qual nascemos sofre de renúncia e de violência – da renúncia
dos superiores e da violência dos inferiores, que é a sua vitória. Nos dias de
agora, esses em que vives, deverá doer ainda mais, cada vez mais, o contacto da
alma com a vida, e como eu nada sabia, escrevia e, tal como tu fazes agora,
usava os grandes termos da Verdade alheia: conforme as exigências da emoção. Não
ouses escrever mais do que algumas palavras, eu mesmo, no pouco que escrevi,
fui imperfeito também…
A
vida é feia porque é toda fim e propósitos e intenções.
Meu amor, amor meu,
afinal todas as palavras, as palavras todas, mais não são que um imenso absurdo,
imperfeito absurdo que me entretenho a aqui escrever em liberdade. E fingir é
amar!
Mais uma vez, foi o Mago
quem ensinou…
FIM